Crítica de TV: "A Voz do Cidadão"
"A Voz do Cidadão" é um dos programas mais significativos do universo da RTP, por aquilo que nos diz sobre a representação que os espectadores têm do serviço público de televisão, como por aquilo que significa em termos de construção da democracia.
Falo, como já se percebeu, do programa do Provedor do Telespectador, cargo criado em 2006 e, em boa hora, entregue a Paquete de Oliveira.
Sociólogo e académico justamente prestigiado, em tempos jornalista, o Provedor é, ele próprio, uma voz crítica com uma opinião fundamentada e isenta, independente do poder.
Mediador entre os telespectadores da RTP e os responsáveis da empresa pública de televisão, dá corpo, no pequeno ecrã, a um programa que constitui um "livre exercício da liberdade de expressão e de opinião", essencial num Estado democrático.
Tudo isto ficou claro, mais uma vez, na recente edição de "A Voz do Cidadão" em que, partindo de Portalegre, se questionou o centramento macrocéfalo do país, que caracteriza os principais telejornais da RTP.
Ouvindo, embora, vozes autorizadas da região, Paquete de Oliveira não hesitou, ele próprio, em afirmar o excessivo peso da força política nos telejornais, que evidenciam ainda a forma como a televisão pública vem perdendo uma cultura, que fazia "emergir os eventos de outras regiões do país".
Como disse Beatriz Cruz, estudante de jornalismo de Portalegre, a "A Voz do Cidadão", o que não acontece nos media "é como se não acontecesse na realidade".
E as regiões de Portugal sofrem de uma recorrente invisibilidade nos telejornais nacionais da RTP, em regra apenas quebrada por acontecimentos negativos e dramáticos.
Por outro lado, os principais líderes políticos são as figuras mais mediatizadas, com destaque para Cavaco Silva e José Sócrates. Os responsáveis da RTP parecem esquecer que é muito ténue, e facilmente quebrável, a linha que separa a informação, da comunicação e da propaganda. E não deviam esquecer-se.
Invisíveis também, tal como o país profundo, ficaram "Acabado Silva", "José Trocaste" e companhia, com o fim do "Contra-Informação", o único programa português de sátira política, em exibição há quase 15 anos.
Pode admitir-se que o "Contra" precisasse de uma pausa para renovação, mas decidir terminá-lo num momento de grande polémica política e com eleições à porta, não parece sensato.
No limite, porque ficará sempre de pé a ideia de que pode ter sido "um caso de censura", como disse "Kampião Félix", na última edição do programa. Mas também porque um formato deste tipo faz falta à construção de uma opinião pública livre e democrática.
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