Mestre do horror, Sam Raimi confessa: 'sou muito suscetível a sustos'
G1 Cinema
Durante os últimos sete anos, Sam Raimi levou os fãs aos céus na companhia do herói dos quadrinhos Homem-Aranha. Agora, nas "férias" do escalador de paredes da Marvel, o diretor quer arrastar o público em um outro passeio: direto às profundezas do inferno.
"Arraste-me para o inferno", seu 16º longa-metragem, marca a volta de Raimi ao confortável território dos filmes de horror, em que começou sua carreira e fez seu nome graças ao cultuado "A morte do demônio" ("Evil dead", no original, de 1981).
O filme, que estreia nesta sexta-feira (14) no Brasil, conta a história de uma jovem funcionária de banco que sofre uma maldição depois de recusar um empréstimo para uma velha cigana.
Repleto de cenas escatológicas e momentos em que o espectador literalmente pula da poltrona de susto, o longa foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes, quando o G1 participou de uma mesa-redonda de jornalistas com o diretor.
Pergunta - "Arraste-me para o inferno" começou a ser escrito há mais de dez anos. Por que levou tanto tempo até concluí-lo?
Sam Raimi - Na verdade foi mais do que isso. Meu irmão e eu fizemos uma história chamada "The curse" [a maldição], em 1989, quando estávamos trabalhando no filme "Darkman", para a Universal Pictures. Deixamos essa história na estante até muito recentemente. Em 2002, formei uma produtora chamada Ghosthouse Pictures e meu irmão disse: "sua companhia faz o mesmo tipo de filmes daquela história, deveríamos expandi-la". Eu topei e, por alguns anos, tentei achar um diretor, porque só estava produzindo filmes lá. Então consegui o diretor, mas o estúdio disse que só daria o dinheiro para o filme se eu cortasse muitas cenas. Eu não queria cortar, gostava da história do jeito que estava, e resolvi partir para outra. Foi quando a Universal voltou e falou: "se você dirigir, nós daremos o dinheiro para todas essas cenas". E pensei naquela hora que, sim, eu queira fazer. Talvez tenha precisado não poder fazer o filme, em um primeiro momento, para depois perceber que eu queria dirigir. Foi muito estranho, como se alguém tivesse colocado uma arma contra a cabeça do roteirista e eu dissesse: "Tudo bem, eu faço!".
Pergunta - Você estava sentindo necessidade de voltar a fazer filmes de horror depois de tanto tempo?
Raimi - Eu estava tentando ficar satisfeito só produzindo os filmes desses outros cineastas. Via os negativos do dia e me sentia como um produtor de cinema. Era divertido e empolgante, como se estivesse no banco de trás de um carro de corridas. Dava recomendações, e eles podiam aceitar ou não. Estava satisfeito, não sentia essa necessidade. Mas, na outra noite, quando estava no tapete vermelho de Cannes e vi aquela multidão de gente apaixonada por cinema, querendo amar os filmes e ser amada por eles... foi muito inspirador para mim. Não me sentia assim naquela época. Mas agora quero satisfazer esse público, e o horror é um bom veículo para isso.
Pergunta - Diretores como o dinamarquês Lars Von Trier e o coreano Park Chan Wook também trouxeram filmes que flertam com o horror e o terror ao festival neste ano. Acha que o gênero está em alta? Tempos sombrios, de crise, pedem mais filmes de horror?
Raimi - (Risos) Já ouvi isso em algum lugar, mas nunca entendi. Sei que as pessoas procuram entretenimento em tempos sombrios, como escapismo. Mas não sei que resposta te dar.
Pergunta - Do que você mais gosta no gênero?
Raimi - Acho ótimo construir sequências de suspense e vê-las funcionando na sala de cinema. [Em "Arraste-me..."], queria ver se conseguia fazer uma espécie de jogo de damas com o público, em que eu adivinho de antemão o que ele está pensando. Digo para mim: "eles sabem que quando a garota se aproximar dessa porta vai haver algo lá atrás. E eles sabem que quando abrir vão tomar um susto". Então eu não coloco o susto lá. Dou um pequeno tranco, vou baixar a tensão e aí emendo uma piada. Eles vão rir.... e aí eu assuuuuuusto!
Pergunta - Existem técnicas para isso?
Raimi - Algumas pessoas pensam que há uma série de regras. Eu não sei se existem. Só tento ter essa consciência do que o público pode estar pensando. Às vezes dou o que eles esperam, às vezes não. Quero mantê-los com a guarda baixa, energizados e entretidos. O horror me oferece essa chance para trabalhar e praticar meu ofício.
[Um jornalista do Chile pergunta o que Raimi acha de "Os outros", do cineasta chileno Alejandro Amenábar]
Raimi - Adoro "Os outros". Acho um filme surpreendente, que realmente me deu calafrios. A Nicole Kidman está brilhante, os visuais do diretor são engenhosos. Fui completamente enganado pelo final- supresa, fiquei triste e enlouquecido. Mas não consigo ver muitos filmes de terror, sou muito suscetível a sustos. Depois que vi aquele não conseguia ver mais filmes assim por um tempo - ainda que tenha adorado (risos).
Pergunta - O que acha dos filmes dessa nova geração de horror, como "O albergue" e "Jogos Mortais"? São um pouco diferentes dos mais clássicos.
Raimi - Acho que seus diretores só estão tentando ultrapassar a barreira do "gore", do sangue, criando uma intensidade meio doentia com o público. Não tenho problemas com isso, não conheço muito, mas acho que é parte do trabalho do diretor de um filme de horror ultrapassar barreiras para lugares a que o público nunca foi levado antes.
Pergunta - Você faria filmes assim em sua produtora?
Raimi - Se um diretor achasse que tinha de fazer, sim. As pessoas devem encontrar o que querem. Não acho que a narrativa deva se limitar com nada. Temos de fazer o que achamos que terá impacto, seja qual for o objetivo do filme - mostrar o significado do amor, mostrar as causas da ambição. Você tem de se agarrar ao que quer que seja fiel à sua ideia, sem se colocar limites. Do contrário, não imagino que alguém vá se interessar pelo seu filme.
Pergunta - Alison Lohman, que interpreta a protagonista de "Arraste-me...", não é uma atriz que tipicamente se esperaria ver em um filme desse gênero. Por que a escolha?
Raimi - Com este filme, tentei manter a construção de suspense dos filmes de horror que fiz no passado, mas queria levar o público a um outro nível: fazê-lo sentir a experiência através dos olhos do personagem central. Para isso funcionar, precisava de alguém que fosse carismática. Queria que o público se identificasse com a personagem nessa jornada, para que quando ela fizesse escolhas simples, como ser ambiciosa ao negar o financiamento à velha, o público também fizesse essa escolha com ela. Que ele pensasse: "ah, mas é culpa do banco... são as regras... ela é atraente... ela é adorável. Então tudo bem cometer um pecado nesse caso". Queria que o público acreditasse nisso. Porque, se pecarem com ela, essa identificação se concretiza. Cada momento depois disso - quando aquele demônio vem para buscá-la, por exemplo - o público sabe que está vindo para buscá-lo também. Eles sabem que também mereceram.
Pergunta - Há uma moral contra a cobiça na história?
Raimi - Sim. É uma história de moralidade à moda antiga, em que você tem o pecado como algo terrível e é punido por isso. Eram as histórias contadas nas igrejas muitos anos atrás, mas usada aqui para uma história de terror.
Pergunta - A protagonista trabalha em um banco, é responsável pela renovação das hipotecas dos clientes... É muita coincidência ou você chegou a adaptar o roteiro em função da crise imobiliária e bancária recente?
Raimi - Bem, o filme é, de fato, a história dessa garota que opta pelo caminho da cobiça. Mas eu não tinha muitas ideias formadas sobre bancos até então. Não era para ser necessariamente sobre os bancos. Eu e meu irmão [o co-roteirista Ivan Raimi] vemos cobiça em todo lugar, como ela é destrutiva. São histórias que me interessam, porque isso é relevante na nossa socidade. Então, é uma resposta mista: não para os bancos especificamente, mas sim para o reconhecimento de que a cobiça pode nos destruir a todos.
Category: entrevista, Homem-Aranha, Homem-Aranha 4, Sam Raimi
0 comentários